quarta-feira, 19 de agosto de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

Os últimos serão os primeiros... (Mt 20,1-16a)

            Esta é uma daquelas parábolas que incomodam o cristão burguês, ocidental, sem excluir os moralistas e aqueles que procuram traduzir o Reino de Deus a partir de categorias humanas, como a isonomia salarial e a justiça meramente distributiva, enquadrando os Dez Mandamentos na moldura dos balanços contábeis.

            Jesus de Nazaré tem o hábito de contar histórias que não se adaptam muito bem aos conceitos populares de mérito, merecimento, honestidade, dando-nos a falsa impressão de que ele aprova trapaças (cf. Lc 16) e favorece os preguiçosos (cf. Mt 20). E para agravar nosso espanto, Jesus faz de um ladrão o primeiro a entrar no Paraíso (cf. Lc 23,43).

            A moral evangélica vira de cabeça para baixo os valores humanos, lembra HébertRoux. Para este exegeta, seria inútil procurar nesta parábola algum ensinamento aplicável à economia social deste mundo em que vivemos. O dono da vinha se comporta de uma forma humanamente injusta, se a justiça consiste em ajustar os salários na proporção do trabalho realizado.

            Daí a nossa estranheza diante da decisão do patrão – claramente manifesta – de pagar o mesmo salário a quem trabalhou menos, distribuindo com largueza “aquilo que lhe pertence”, isto é, a sua Graça salvadora. Se fôssemos cristãos, ficaríamos felizes por ver que não estaremos sozinhos no céu, mas também os que trabalharam menos serão alvo da mesma misericórdia que nós.

            Ora, em sua divina soberania, Deus permanece absolutamente livre para acolher em seio aqueles que ele bem quiser. Afinal, só o Senhor conhece a realidade íntima de cada um; só ele conhece nossas feridas e pode avaliar o peso de nossas virtudes e de nossos pecados.

            Mais uma vez, nota-se como pano de fundo a ilusão de que “mereceremos” o céu em consequência de nossas orações e jejuns, missões e trabalhos pastorais, ignorando que só por misericórdia sairemos ilesos dapeneira do Juízo.

            A verdade é que a separação que fazemos entre primeiros e últimos mais se assemelha à avaliação dos times de futebol e dos cantores da moda, aplaudindo o sucesso de uns e relegando os outros a uma condição marginal. Não é assim no Reino de Deus. Deus prefere os últimos...

Orai sem cessar: “São grandes, Senhor, as tuas misericórdias!” (Sl 119,156)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Com. Católica Nova Aliança.

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