quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

Onde estás? (Gn 3,9-15.20)

                Na alvorada da história humana – ainda no terceiro capítulo da Sagrada Escritura! – já podemos encontrar o Deus Criador à procura do homem. Enfurnado em um recanto do Jardim, vestido de culpa e de nudez, o homem parece evitar o encontro de todos os dias. E ressoa pelo Éden o chamado divino: “Onde estás?”

                Segue-se o diálogo entre o Criador e o primeiro casal. Neste episódio, a mulher aparece como colaboradora da ruptura com Deus, motivada pela ilusão de serem “como Deus” (cf. Gn 3,5). É sugestivo que a liturgia da Igreja escolha exatamente esta passagem ao celebrar a solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Trata-se de estabelecer um paralelo – ou melhor, um contraste – entre duas mulheres: Eva e Maria. Aquela que foi o vetor da morte e aquela que foi a matriz da Vida.

                No diálogo com Eva, o Criador procura orientar o olhar dela para um tempo futuro, quando um Descendente da mulher (cf. Gn 3,15) seria vencedor do mal que se espalhara pela Criação a partir da desobediência original. Assim, se uma mulher participara da Queda, outra Mulher participaria do reerguimento da humanidade. Após a degeneração da raça, um tempo de regeneração.

                Os Padres da Igreja, desse os primeiros séculos do cristianismo, acentuaram o contraste entre as duas mulheres. Eva foi extraída do lado do primeiro Adão; do ventre de Maria nasceu o novo Adão, o Salvador Jesus. E não deixa de ser admirável que esta celebração recorde também a promoção da Mulher a alturas inimagináveis, pois o próprio Deus a escolhera como colaboradora da Encarnação do Verbo.

                Ao comentarem esta passagem do Gênesis, conhecida como um “proto-evangelho”, os Padres da Igreja viram Maria como a “segunda Eva”, unida de modo esponsal ao segundo Adão, e mãe de todos os que foram arrancados das sombras da morte e voltaram a ser “viventes” com a vida que brota do Ressuscitado.

                De fato, a saudação angélica na cena da Anunciação, quando Gabriel nomeia Maria de Nazaré como “cheia de graça”, isto é, sem nenhum espaço para o mal, afirma de modo positivo a concepção imaculada da futura Mãe de Deus. A forma verbal grega utilizada por São Lucas no Evangelho da Anunciação [kecharitoméne] bem merece a tradução: “Tu que foste e permaneces repleta do favor divino” (BJ, nota ‘t’).

                E os poetas da Liturgia das Horas se divertem com o trocadilho EVA / AVE, onde a Igreja reconhece as glórias de Maria “mutansHevae nomen”...

Orai sem cessar: “É a voz do meu Amado!” (Ct 2,8)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário